A hippie que virou funcionária pública

Na maioria das minhas aulas para jovens e adultos à noite, invariavelmente escuto:
- Você é hippie professora?
- Não vendo miçanga, não moro na praia ou num interior místico, nem carrego meus produtos em tecido esticado: portanto não sou. — costumo responder.
- A senhora é riponga sim!
Gozado que embora os estudantes perguntem como quem está curioso e aberto, eles já tem certeza e fim. Parindo este texto cai a ficha de que para eles, quem cria, é sensível, questiona, se expressa.. É hippie!
Talvez eles digam isso porque sou a professora que causa, suja, faz barulho, às vezes provoca ciumeira ou braveza de colegas porque a turma demora a ir para próxima aula, cutuca gestão e que direção olha torto? Talvez, mas também não me vejo nesse universo ripongo em que as mães do grupo hippie às vezes tem problema de saúde, não conseguem ir ao médico e passam perrengue por um banho ou noite melhor dormida (mas gosto de ouvi-los…desmistifica o olhar da maioria de nós sobre isso).
E por falar em magistério, nesta manhã dando aula particular de redação criativa para um médico saiu a frase do título deste texto da minha boca e achei que era o caso de movimentar este blog de novo. Como tantos que conheço, eventualmente já desabafei: “vou vender miçanga na praia”! Sem saber das tretas por trás daqueles andarilhos enfeitados com penas…
Consegui reduzir sensivelmente meu consumo desnecessário a ponto do orçamento caber no mês e ano em que reduzi a carga horária para estudar. Mesmo sendo de humanas e me mimando quando não estou bem. Agora não é economia suficiente para caber no roubo do VT que não recarrega, do corte do adicional noturno, na demora para minha segunda pós render evolução funcional e nos quase 2 anos e meio com rendimento congelado devido à pandemia. Não sei se haverá recalculo e corte de extravagância suficiente para atravessar o DESgoverno tucano.
Por essas e outras, inclusive nossos alunos que estão comendo bolacha e fruta a maioria das noites, pois só vem sopa dois dias para os educandos trabalhadores, faremos greve neste último dia deste março exaustivo de 2022. Imagino que a direita espoliadora for eleita de novo vamos rifar o país de vez. Como a velha música alertava “a solução é alugar o Brasil”. E lidar com minha vontade de tocar fogo no parquinho da prefeitura tem cutucado tanto a gastrite que minhas pesquisas para dar manhãs brincantes para crianças e idosos na Casa do Todos me coloca em contato de novo com a criança interna.
A criança interna tem tido a voz sobreposta pela da adulta pé na porta e irritadiça, especialmente no sono picotado — segurar o tchan dela quando não dá pra rodar a baiana tem cansado horrores. Ontem fui dar parabéns ao meu pai, dar presente bizarro como ganhei na infância, cantar e ganhar carona. Ele, que foi sindicalista, desde minha paralisação na Gazeta Mercantil dizia que a gente estuda e emburrece para negociar com patrão. Ele e seus colegas fizeram greves históricas no ABC, com resistência maior das mulheres do chão de fábrica e tiveram o Lula lá na Cerâmica intermediando. Fico com a pulga atrás da orelha quando ele diz que a greve tem que incomodar, porque nossos sindicato sempre protocola na prefeitura o aviso de paralisação. Tenho minhas dúvidas de que renda o que precisamos — reposição de cerca de 17% segundo o Dieese — mas como já não há recursos para ir, voltar, sem xingar a secretaria em algum ônibus, parar é tudo que nos resta em grupo, já que isolados não conseguimos nada. Sempre tenho grilo de pagar de esquerda festiva, porque no frigir dos ovos o que me anima é rever os parceiros de luta e parar num pé sujo para uma cerveja ruim. Nunca antes na história deste país um trabalho brochou minha animação pela batalha justa. Só no serviço público mesmo. Lembro de chorar quando fui convocada para tomar posse lá como professora de artes do Departamento de Jovens e Adultos, porque a comunicação era morta. Agora dá preguiça existencial até de chorar. Por isso concilio tanta atividade sensível, para expressar o redemoinho interno.
Refaço o checklist do que levar como precaução pra baixaria da polícia me perguntando: onde foi parar esse projeto de hippie mal sucedida? Sou uma alternativa que desandou alguns concursos atrás… E ao mesmo tempo existe vida fora do trabalho fixo para artistas neste país? Sempre dei perdido quando a família recomendava concursar. Penso em como reencontramos nossos pais em nós, feito música da Elis.
Já a atuação cultural no país… Demanda conciliar educação com ela e tentar equilibrar muitos pratinhos. Agora na educação independente, customizando encontros de redação criativa, esta manhã me diverti com um texto irônico do meu aprendiz. E tem sido tocante vê-lo encontrar sua voz autoral looonge do texto técnico que ele ansiava no começo. Um artigo das professoras do mestrado destacava como fruímos vários momentos como estes no chão da escola. Agora fazemos isso também em videoconferência…
Manhã em dúvida se o clima está para escutar “Vamos Fugir”, do Djavan ou de ouvir os Titãs …e o pulso anda pulsa. Por aqui, o som da passarinhada invade o escritório e me pergunto que boia farei para voltar ao batente escolar mais tarde…