Como a aula espetáculo me atravessou

Francine Machado De Mendo
5 min readApr 24, 2023

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As aulas espetáculos são caminhos educativos, cura, expressão e resistência. Terminei a formação em Pedagogia Griô há pouco mais de uma semana, fizemos ritual de certificação e de uma certa maneira, o processo ainda reverbera em mim.

Há pouco mais de um semestre tínhamos encerrado os módulos da formação em Pedagogia Griô, mas mostramos nossas aulas espetáculo só entre colegas de turma. E estas apresentação recente e ritual mencionados acima fizemos no Encontro Nacional EAD da Pedagogia Griô, de 13 a 16 de abril. O que para “arteiros” como nós faz diferença, porque conseguimos abrir para convidados e amigos das formações anteriores — e artista quer ser visto, mesmo com um pezinho na educação.

Minha mãe conta que chegou ao Paraná, a parentada quis saber se já andava, ela respondeu que só uns passinhos, mas me colocou no chão e eu atravessei a sala — contrariando desde sempre rs

Ah todo esse movimento foi online. Mas com tantos mestres carismáticos nos encontros, aliviou um pouco a overdose de Zoom. Nunca pensei que chegaria a este ponto: com a língua de fora de estudar, jogando a toalha e pedindo água. Efeitos colaterais de ser mestranda. Mas para o strictu sensu não acabar com o que me resta de curiosidade, no fim do mestrado só quero saber de educação informal! E por anos!!

Pude entender a alegria dos meus alunos da Educação de Jovens e Adultos com suas dificuldades entre idas e vindas e a emoção de suas formaturas. Foi bem puxado chegar até aqui, com lutos, mestrado, cuidado com a mãe e escolas atropelando na contramão. Mas comecei este processo ano passado produzindo a primeira aula espetáculo para o mestrado. Encaixá-la no tempo apertado que tinha no seminário deste mestrado de artes da cena da Escola Superior de Arte Célia Helena já nublou a alegria com esta aula.

Na formação em Pedagogia Griô tivemos o acompanhamento de um grupo de aprendizes griôs e uma das professoras, o que me levou à versão take único. Aqui, aprendemos muito uns com os outros — o aprendizado nesta pedagogia é horizontal e considera tanto o coletivo que tem práticas de produção do conhecimento partilhado. Incluí a playlist Processo Criativo das Aulas Espetáculo Griô do meu canal alguns parágrafos atrás porque depois desta orientação, percebi que mudei meu processo criativo, que interferiu em como dou aula e como penso. Minha prô Izabel Araújo achou que era minha metodologia — numa das fotos deste texto uma colega desenhou minha pedagogia, narrada nesta minha aula, que virou uma cartografia disso tudo.

Esta prática é resistência porque percebemos que tudo na educação formal concorre para nos desanimar da nossa ideologia à esquerda, nos deixar exauridos pelo sistema e dando aulas meio zumbi. Aprendi tanto com uma professora da rede municipal de São Paulo e o trabalho dela com estudantes imigrantes no Pari, com uma professora da Escola Família Rural Paulo Freire na Zona da Mata mineira, além da história de vida de outros amigos serem também pedagógicas.

Ah sim… Minha aula espetáculo foi sobre minha formação como artista educadora, que atravessa minha atuação como professora de artes hoje. E a Pedagogia Griô considera importante nossas influências e referências pessoais no chão de escola — no caso da EJA, só se consideram as histórias dos estudantes. Mas percebi que a mestra Líllian Pacheco, que criou esta Pedagogia, tem razão: nesse processo griô a gente resgata profissões de nossas ancestrais — no meu caso, mãe e avó foram professoras alfabetizadoras rurais. Já eu, especialista, percebo muito do interior nas periferias de cidades grandes.

De certa forma, percebi lá na Trilha Griô, uma imersão no quilombo do Remanso, na Chapada Diamantina há quatro anos, que não buscava só o conteúdo que não tive para levar as minhas turmas: me buscava também — porque minha família tem muito da cultura cabocla do interior: culinária, tratamentos com ervas, ver todo mundo como parentes mesmo sem ser da mesma família… Eu perguntava pelas histórias que não estavam no livro quando criança na escola. Trato um pouco disso nos artigos linkados às primeiras menções à Pedagogia Griô deste texto. E isso não deixa de ser uma cura. Inclusive para o que nem sabia que precisava.

Na aula espetáculo apresentada neste meio de abril começo com cantigas, bênçãos, interação com sapatinho que eu e meu primo mais novo usamos bebês, apresento a edição de algumas aulas espetáculo, termino explicando “que piso neste chão devagarinho” pelos lutos do meu pai e tio, dedico uma cantoria e o que gerei de bom na apresentação do Zoom para minha mãe melhorar e mostro o site da pesquisa para o mestrado. O começo e o fim foram ao vivo na videoconferência. Tive muitos retornos de acolhida para minhas perdas e desejos de melhoras para minha mãe. Minha aula ter ficado para o fim da manhã ajudou a acalmar a ansiedade — porque fiquei elétrica de madrugada querendo mudar e atualizar parte da apresentação (porque o ensaio da véspera não funcionou por falta de luz no nosso ateliê escritório de casa, devido à luz queimada e por já ter mudado muito desde que finalizei os módulos desta pedagogia).

Uma das que viram esta minha aula, me recomendou ter gratidão pelo tempão que vivi com meu tio griô, perdido em novembro. O pai dela morreu quando era tão pequena, que não lembrava muito e fez um enterro simbólico dele adulta. Sinto que luto é muito similar à luta, num sentido emocional. Luto que se partilha já não nos pesa tanto — luta também não. E nem aula: numa das escolas em que estou neste ano, integro parte do que ensino com a professora de matemática. Nesta mesma escola, há quase um ano, quando compartilhei a primeira aula espetáculo com os estudantes, eles cantaram as músicas por que as usávamos em nossos encontros e se reconheceram nos retornos deles que coloquei na narração.

Desenho da pedagogia que rascunho feito pela artista educadora @greice.aguiar

Tenho lembrado mais dos parentes perdidos com gratidão e bom humor do que patinado na sofrência. Agora é só cuidar da mãe — mas um problema de cada vez… E ficar mais alerta quando os aprendizes dos bairros em que estou me reconhecem na quebrada e festejam — geralmente estou com a cabeça a todo vapor. Nota mental: nunca mais conciliar cursos!

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Francine Machado De Mendo
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Written by Francine Machado De Mendo

Brincante,professora de artes na EJA escritora,"gateira",contadora de histórias,nadadora viajante,escritora, macumbeira,pesquisadora e batuqueira.

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