Reencontro com a nutrição cênica

Há pouco menos de uma semana, experimentei a narração ao vivo, com produção para transmissão ao vivo e sem público por precaução sanitária. “Cabulei” o estudo em grupo da Arte como Experiência do John Dewey para me apresentar no Centro de Formação de Professores de Satãndré, fechando a troca de experiências pedagógicas Compartilhando Saberes com a mostra Compartilhando Talentos. Mas saindo da acupuntura pro sistema gástrico dando pau e cruzando cidades para lá, mesmo com carona da estação à live, me perguntava porque perder encontro da extensão universitária para contar Ah Cambaxirra, se Eu Pudesse sem cachê.
Mas só lá entre coxia, pernas, urdimento e maquinário do Centro de Formação senti a resposta: para me abastecer do aquecimento e alongamento nos bastidores, ensaiar a toque de caixa com músicos, pra movimentar as borboletas no estômago pondo figurino, me maquiar meio que sem ver os detalhes muito bem, desejar merda aos demais artistas, brincar com meu branco pra ligar o microfone no começo, receber um reconhecimento não muito frequente na aridez do chão escolar, ganhar cliques sem minhas improvisadas caretas nas printscreens e ficar em casa entre os voluntários do esporte e da cultura. Talvez participei porque na noite desta transmissão fosse necessário a experiência artística e não refletir sobre ela…
Entrei no feriado evocando estas sensações. No mesmo do descanso de Finados, uma amiga volta do interior falando de ver uma peça, mas que não tinha encontrado uma bacana e eu pensava que não era possível, tanta produção boa em Sampa… Em meio à conversa, recomendaram que víssemos Cia do Tijolo encenando a vida de Dom Helder Câmara. Atravessei a cidade pro programa teatral (na Paulicéia, tudo é travessia…tem que amar muito mesmo), nos desencontramos no começo, mas conferimos os artistas no Sesc Santana, pra se rever depois.
Conforme mostrei meu comprovante de vacina, mediram minha pressão e fui entrando, já comemorei internamente porque uma das saudades mais hardcore da pandemia foi o Sesc. No começo estava moída, resistindo ao sono porque fui da zona oeste à norte, duma festa caseira de aniversário da mais nova amiga de infância ao programa cultural. Mas o canto meio afro e meio espiritual dos artistas foi me despertando de novo aos poucos. Sabia um pouco sobre o “bispo vermelho”, mas tornar a narrativa tão atual e vibrante, somados ao sotaque pernambucano e os bonecões de Olinda que vieram nos saudar no fim me deixaram banhada em água salgada no encerramento. Estava com o dedo coçando pra fotografar, mas esperei os agradecimentos pra não atrapalhar artista nem me distanciar da experiência de vê-los. Nesta altura eu já tentava encontrar minha amiga pelo celular, o artista que fez o bispo oferecia os guizos usados em cena à plateia e queria falar com o elenco… Mas ao mesmo tempo falar o que terminando de assisti-los meio desnorteada?
A linha da minha amiga não atendia, recuperei o fôlego e fui à boca de cena. O ator foi solícito quando parei ali. Perguntei pelos guizos, ele foi pegar mais e ganhei tempo para além da percepção “quem anotou a placa do caminhão que nos atropelou”? Ele me deu um guizo e agradeci, falei dessa saudade de me emocionar com eles e chorar na plateia, que não senti o mesmo quando vi um monólogo há pouco tempo, que bonito e que triste conhecer Dom Helder assim no escuro e maravilhada… Soube que a companhia abre de tempos em tempos para interessados cantarem com o maestro deles e eu que tenho dado todos os paus que não tive no remoto agora no ensino híbrido, cogitei cantar com os artistas. Ah, TDHAs… Proseamos durante “um tempo sem tempo”.
Mais tarde não só encontrei a amiga como comemos besteira e ainda estou me apaziguando com o estômago… Gastrite à parte, esta parceira, que dá aula de cinema, acha que a cena teatral paulista está reaquecendo e que ano que vem, pode até sobrar papel em cena pra mim. Será? Que Dionísio nos traga as saudosas bênçãos cênicas!
E pra você leitor(a) que saudade não aguentava mais em quarentena? O que já ver/ fazer e foi uma lavada de bem estar? Sigamos trocando figurinhas pandêmicas!