Francine Machado De Mendo
3 min readSep 3, 2021

--

Desde que reconheci meu super poder

Recentemente um amigo de trabalho perdeu a mãe e fiz um uso mais subjetivo da nossa paralisação contra a reforma administrativa: fui ao velório, onde encontrei outros quatro companheiros da educação. Era obviamente uma ocasião triste, mas me tocou perceber que viramos uma espécie de família educativa, um núcleo duro de camaradas da EJA em que atuamos no ABC. Nem era eu quem precisava dos abraços dos amigos de Satãndré, mas foi reconfortante ganhá-los mesmo assim. Até pedi desculpas à falecida pela minha felicidade contrabandeada num momento em que todos tentávamos descobrir como lidar com a dor do meu amigo. É providencial esclarecer que ele era chamado de príncipe na rede em que atuamos, de tão solícito, polido… Praticamente um lord tupiniquim.

Nesta tarde de despedidas, choro e rezas, descobri que concordo com a ativista ambiental mirim sueca Greta Thunberg: ser neuroatipico é um super poder. Convém ainda contextualizar que trabalhamos em meio a professores muito politizados, pesquisadores e também ligeiramente cabeçudos — a maioria estava sem jeito com a sonota dor do nosso amigo em luto.

Não fazia muito, acolhi outra pessoa que amo em crise ansiosa e me senti ligeiramente parecido: no começo, pareço quase insensível, mas é um primeiro momento deixando o instinto falar, sentindo como acolher sem atropelos, pareço minha gata farejando antes de qualquer atitude. É uma sondagem emocional intutiva.

Na sequência faço o que me parece óbvio, mas nem todos põem em prática quando alguém está mal ou em crise próximo de nós. Abraço e pareço sentir que nossas emoção e sentimento se encontram.

Quando nos afastamos meio que devolvo o que é da pessoa mal: não tem muito jeito, quem está na sofrência é quem processará, quando conseguir.

Nestas últimas acolhidas, passei um tempo razoável cochilando no mal estar de perceber quem gostamos deprê e tentar lidar com essa impotência.

Associei esses movimentos à Greta porque ela considera o autismo dela um super poder. E eu, pela 1a vez senti a bipolaridade mais eufórica estável como esse super poder: de lidar melhor com a dor daqueles que amo, enquanto percebia o constrangimento de muitos de nós.

Talvez para quem não é neuroatipico nenhuma dessas reflexões retardatárias tenha lógica. Mas para quem passou mais da metade da vida de bode da própria mente por amigos, trabalhos e amores perdidos, é terapêutico se apaziguar com ela, porque não teremos outra e também por meu movimento de me conhecer, cuidar e ser grata ao corpo por ele superer tantos escorregões.

Em meio à agenda turbulenta de quem dobrou os períodos de aula e tempo em trânsito, levei algum tempo para verificar como meu amigo está. É o luto mais realista e intenso que acompanhei, mas também há uma verdade que mexe conosco nesse processo. Quantos de nós se desrespeitou em dores e atropelou o que precisava pra cumprir obrigações que nem mereciam esse empenho todo?

Quem conheço e atravessa stress também tem apanhado para por limites, mas segue insistindo, com dias de trégua e outros mais cinza.

Em alguns casos, nos fazemos presentes. Noutros, apoiamos que encontrem saídas à sua maneira nesse túnel escuro. E eu, pela primeira vez compreendo que só criei tudo que produzi devido à alta sensibilidade. Pela primeira vez num sem fim de tempo, constato que esses são os melhores corpo e mente que poderia habitar.

--

--

Francine Machado De Mendo

Brincante,professora de artes na EJA escritora,"gateira",contadora de histórias,nadadora viajante,escritora, macumbeira,pesquisadora e batuqueira.