Esvaziamento pós processos criativos

Francine Machado De Mendo
3 min readMay 14, 2022

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Meu 3o filho literário, Os Meninos que Queriam Rodar, da Editora Metanoia, finalmente veio ao mundo há 15 dias. No geral as pessoas não tem ideia da ralação por trás de mais um infantojuvenil: pois bem, vamos desmistificar o dom/ vocação. A história foi escrita há cinco anos e é inspirada em personagens reais — filho de colega de curso que se vestia de roupa feminina, mas ela o fortalecia, sabendo que a rua não seria amigável e um ex chefe que para inventar bonecas e dançar balé sofreu bullying no interior. Foram ao menos quatro anos oferecendo para editoras que já têm na ponta da língua a resposta padrão “estamos com os próximos 3 anos de lançamentos já definidos”. Até que encontrei o selo Crianças Diversas, escrevi propondo a obra, mas ficou perdida no Spam. Só ano passado toparam publicar. Foi quase um ano para o ilustrador Fernando Fiorini deixar várias cenas mais bonitas do que imaginei. De dois a três meses divulgando, fazendo live, convidando amigo, afinando parceria com a Casa 1 para lançar na Biblioteca Caio Fernando Abreu… Pensando bem, meu marido tem razão: foi tanta mobilização emocional que no dia seguinte aos autógrafos era de se esperar meu cansaço emotivo.

Na sequência, emendei a criação de uma aula espetáculo, que reúne minha história, conexão dela com os estudos e impacto disso tudo no meu trabalho. É uma criação dois em um porque usarei no fim da formação em pedagogia griô e já fez parte da minha pré-qualificação no mestrado profissional em artes da cena no Célia Helena (ESCH). Por ser autoral e experimental, o impacto terapêutico é profundo, então claro que há momentos em que não sabemos lidar. Fui levantando causos familiares, inspirações e influências criativas desde pequena, paixões de pesquisa e projeto já madura e alinhavando. Tinha que experimentar outro processo criativo já que não era peça, narração de histórias ou intervenção poético-educativa. Comecei experimentando leitura dramática: mas já percebi que estouraria o tempo do seminário de metodologias criativas de pesquisa. Tentei então me apropriar do texto manipulando elementos cênicos, mas partilhando parte do processo no Núcleo de Pesquisa da Presença da ESCH vi que o Zoom tinha muita limitação para minhas ideias de então. Recorri à amiga videomaker para transformar fotos e narração numa espécie de foto performance. Mas também não nos entendíamos por não falar o mesmo idioma: fui narrativa demais e ela precisava da lógica matemática cena/ arquivo/ tempo. Meu marido refez o roteiro porque já orientou produção audiovisual antes. Apresentei no começo da semana, ia estourar o tempo dando um panorama da situação de artes na EJA em quarentena, quase termino abruptamente e fiz uma passagem super sônica pelo slide final em que listava os produtos finais que eu e meu orientador temos estudado juntos. Tivemos retornos de professores que não nos orientam e os achei muito cirúrgicos e sensíveis: um deles vê minha pesquisa no percurso, não como uma dissertação, mas como um livro de memórias como alguns que estudamos no teatro e o outro comentou que o aquecimento com cultura popular que faço leva os estudantes para um momento individual, mas com a profundidade da ancestralidade e depois, com o Teatro do Oprimido, se expressam e refletem deles mesmos em sociedade. Amigos me retornaram que queriam ser meus alunos, estou cantando bem e que bom que esteja fazendo este trabalho. Já ouvia isso lá em Santo André, mas geralmente trabalho de professor é tão bastidores, que os olhares de fora nos fortalecem porque a batalha não é leve.

Ainda tem escrita, revisão, edição, publicação, reescrita, ensaio e apresentações pela frente, mas sinto o mais próximo que chegarei do esvaziamento que colegas mães perceberam ao finalizar a gestação. Há dias celebro a sensação de tarefa concluída, missão em andamento e durmo neste bem estar de alegria que não nos roubam fácil. Celebro porque nem sempre TDHA tem esses lampejos hormonais favoráveis. Além do que, gravação e livro estão lindos, enchendo a mãe aqui de orgulho. Só por hoje, não vou me cobrar de ser super mulher. Mais um dia sem se provar até ficar com a língua de fora e ainda ser julgada. Só por este post me basto. Evoé!

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Francine Machado De Mendo
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Written by Francine Machado De Mendo

Brincante,professora de artes na EJA escritora,"gateira",contadora de histórias,nadadora viajante,escritora, macumbeira,pesquisadora e batuqueira.

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