“…eu vim de lá, eu vim de lá, pequenininho”…

Francine Machado De Mendo
6 min readApr 15, 2021

--

Meu percurso entre um “batidão” de oficinas e uma “rave” de formações é tão frenético que não lembro onde li que pesquisar o que se gosta é uma forma de auto conhecimento. Vivenciei isso tão intensamente desde que a educação me acolheu, “adaptada” do jornalismo, que já passei por algumas fases nessa trajetória e posso partilhar das alegrias desse privilégio de focar nas vivências culturais. Contar do “alumbramento” de ver as áreas de pesquisa se conversarem, apesar da educação “formol” colocar em caixinhas, sinto que um estudo fomenta o outro.

Já tive fases de achar que minha paixão nessas pesquisas eram os palcos. Não posso dizer que não me ressinta das coxias, porém quando o jornalismo se foi da minha vida, mas as famigeradas assessorias de imprensa ficaram por muito mais tempo que meu histórico dava conta, tive fases de estudar yoga, massagem, reiki e até comecei acupuntura. Mas não, no técnico percebi que desvendar os infinitos nomes de cada parte do corpo era para iniciados em saúde. Que não era meu caso.

Depois veio a temporada idílica em oficinas literárias. Escrever, ler aos colegas, receber os tomates, flores ou ambos é meio cênico-narrativo. Depois dum percurso meio aleatório de pesquisa cheguei à Educação de Jovens e Adultos e nela, antes de entender Paulo Freire já fazia-refletia-escrevia — com a atualização dos diários de bordo da arte. A paixão pelas narrativas e as distâncias entre nossas pesquisas e as necessidades dos alunos, me levaram às pós na arte de contar histórias e em Teatro do Oprimido. Áreas que amarrei pelo audiovisual com o projeto Narrativas Itinerantes - graças ao qual, uma professora com quem fiz matéria como aluna especial no Diversitas me recomendou inscrever esse trabalho num congresso acadêmico. E não é que a pesquisadora Ana Maria Mae tinha razão quando defendia que todos temos a aprender com os artistas?

Dar aula me ensinou porque insistimos num estudo quando bolso, agenda, família, saúde e distâncias não colaboram: já nos sentimos em casa naquela pesquisa. É o caso da cultura popular comigo: meu refúgio. É um termômetro e tanto se é o caso de insistir numa profissão meio indigesta: quer estudá-la nas horas vagas? Se não, pode ser só sua atuação de transição. E assim vieram formações livre em máscaras, danças brasileiras, griô para atores, colagem, canto popular, Teatro Jornal, percussão afro, educação popular… Bom, só essa estrada parcialmente lembrada já dá pista de que não sou acadêmica né? Para arte educação sinto que vale mais pesquisa e produção para aulas do que sistematizá-las muito engessado. Com esse movimento, senti a potência freiriana de levar uma aula, sentir a temperatura da turma, ajustar o programado ao que a sala demandou e me transformar nesse processo.

Nem preciso falar como nos transformamos no processo… Há dois ou três anos fizemos um trabalho sobre reforma previdenciária com os estudantes, como diversas eram empregadas domésticas, levei apresentações do Marias do Brasil, que faz Teatro do Oprimido com as vivências das integrantes nas casas que limpam e Preta Rara, que foi diarista, mas começou ler mais na biblioteca duma patroa, virou historiadora e recebe na página Eu, Empregada Doméstica denúncias de preconceito das que limpam casas de famílias arrogantes. Muitas fichas foram caindo, fui me revendo e mudando com pessoas próximas que amo. Estas me parecem as demais fases de estudar o que se ama e cruzar isso com o trabalho: se aprimorar e melhorar com aqueles que gostamos.

Apesar da paixão pela educação, resisti à pedagogia tradicional. Só depois de ler, ouvir e assistir sobre e com os griôs africanos é que fui parar na pedagogia griô, que resgata histórias, sabedoria, danças, curas, cantos, ancestralidade, brincadeiras e relação de respeito com a terra dos povos originários, para encantar a educação já cristalizada demais. Com seus fundadores, Marcio Caires e Lilian Pacheco, já compus meus próprios cantos de chegança no Quilombo Remanso, chorei me besuntando de barro e cantando para Nanã na Chapada Diamantina, descobri que minha avó também benzia no I Encontro de Pedagogia Griô e pasme! Fiz duas matérias como aluna especial na USP, o que foi um sonho velho de guerra para quem sempre passou longe dela. É uma educação descolonizada raiz, percebe?

Quando criança e adolescente, lembro de perguntar aos professores de história onde estavam as narrativas que ficaram de fora dos livros. Eu não sabia ainda, mas já me ressentia das raízes afro e indígena varridas para fora das escolas. A partir dessa falta fui em eventos culturais indígenas, visitava quilombos, fiz projeto em escolas bilíngues indígenas argentinas e justificativa que procurava o que não me ensinaram para levar aos alunos. Só depois de comer mamão verde no almoço e aprender a fazer rede de pesca no Remanso me toquei que estava em busca de mim, porque compreendi minha família, que meu avô sempre explicava ser cabocla. Por essas e outras, agora faço a formação da pedagogia griô mensalmente até agosto do ano que vem. Porque os mestres que nos formam nela e minha experiência prévia em audiovisual me demonstraram na pandemia a diferença que faz estudarmos com quem tem carisma. E esta semana foi minha primeira experimentação com os cantos, livros, vídeos de brincantes dançando e fotos da cultura popular com os jovens e adultos e pela primeira vez mais aprendizes participaram, mesmo no WhatsApp, que a maioria percebe só como espaço de troca de mensagens. É possível ser griô e brincante remotamente? Foi a pergunta que me ficou.

Estou numa nova fase desses estudos apaixonantes que nem sempre sei onde vão dar — mas já desconfio que seja um aprofundamento no que sempre soou hiperativo demais. Em quarentena, eles geralmente me mantém a sanidade, o que já é muito. Tenho feito oficinas artísticas pela Diretoria de Cultura da Unicamp. Comecei dançando com os mestres Antônio Nóbrega e Rosane Almeida, do Instituto Brincante. Ou tentando, porque a vantagem de fazer isolada é que só minha gata me vê derrubar coisas e trombar com tudo pelo ateliê. Apesar da descoordenação, até me espantei com todos estilos de dança popular que contei para as alunas que quero vivenciar com elas quando a pandemônia acabar. Esse é um adicional surpresa na resistência de se estudar o que ama: quando o chão de escola e o estudo artístico autônomo começam a conversar, sem que a gente force amizade.

A oficina feita dias depois, com os Barbatuques, me fez criar e adaptar jogos teatrais em meio à percussão corporal que trabalham e eu já sonhar em multiplicar Teatro do Oprimido online (o que tenho feito na Fundação das Artes às sextas e tem sido tão bacana que não lembramos de printar a tela). Enxerguei um dos jogos de Boal nas dinâmicas deles. Sempre me sensibilizo quando percebo as expressões que periodicamente pesquiso dialogando.

Logo menos tem oficina de escrita. Para aquecer os tamborins, já divido estas andanças com vocês. Porque dizem que um jeito certeiro de aprender é ensinar. Posso apanhar do acúmulo de exclusões dos meus estudantes, mas recomendo que tentem fluir do rio dos estudos ao mar do ensino.

--

--

Francine Machado De Mendo
Francine Machado De Mendo

Written by Francine Machado De Mendo

Brincante,professora de artes na EJA escritora,"gateira",contadora de histórias,nadadora viajante,escritora, macumbeira,pesquisadora e batuqueira.

No responses yet