Existe ex enteada?

Dizem amigas maduras que sacamos que já não somos tão jovens quando na apresentação do namorado novo, não encanamos com o retorno dos pais e sim, do(s) filho(s). Parafraseando estas companheiras, senti o mesmo quando ao invés de stalkear o ex, espiei e filha dele: “ex enteada”. Na idealização isso não existe, mas a vida é incrivelmente mais complexa do que nossas teorias…
Abre aspas para um “historicozinho” porque a narrativa quase que toda é bizarra: foi um ex do tipo maníaco. Para quem não tem essa experiência de término dramaqueen se questionando como foi se meter naquela encrenca: são suspeitos de tão sedutores, por isso só dão pistas da encrenca que nos metemos quando já tem algum vínculo, que invariavelmente vira um sentimento do filme Dormindo com o Inimigo: você estrategia na insônia como escapar daquela roubada de “zilhares” de formas, mas cisma que todas são arrriscadas e “trava das 4”.
Com algum tempo de relação ele deixou escapar que não digeria a ex ter se envolvido com um “tiozinho”, cortei aos poucos, porque tinha um apego à convivência com L,. mesmo que quinzenal e cagaço dele, pois quando buscávamos a pequena na família da mãe, percebia pistas que as negociações em torno dela eram turbulentas. Ele era tão descompesado que nestes términos vinha no meu prédio com a justificativa da L. rever a amiguinha, filha da vizinha. Lógico que depois ambos vinham aqui, ele jogava todo aquele verde do quanto L. sentia minha falta e eu escorregava o pé na jaca, porque era encantador esse lugar meio tia, meio tutora “de quando em vez”.
Tinha só 29 anos e isso já diz muito desse enrosco. Sim, é nonsense ter saudade da L. 15 anos depois. Mas as emoções de quem tem lógica? Dizem que só dos maníacos. Ela está enorme e apesar de bancar a stalker, não entrei em contato porque afinal, faço terapia (“chorrindo”). E justamente porque esquadrinho essas emoções mal entendidas com a psicóloga (afinal, sou cabeçuda), desconfio que desacelerar com o óleo CDB abre hiatos suficientes para pousar nestes sentimentos, que chorei até que pouco na ocasião, mas minha psiquiatra acha que desacelerando a gente olha mais pros incômodos internos esquecidos.
Talvez as histórias indigestas venham à tona para sinalizar que as processamos atrapalhadamente. Como operava no modo “cheirada” até meses atrás, entreteti muitas amigas em botecos com isso. Sempre que alguém sacava do bolso alguma lembrança de embuste, eu já lacrava: “meu ex virou manchete policial, primeiro me chantageou com a filha, depois com a mãe e até com celular dum preso ‘fodão’ me ligou lá de dentro. Finalmente rodei a baiana e ele sumiu do mapa”. Silêncio constrangedor no bar. Desde quando isso é entretenimento? Para hipomaníacas feito eu, era. Me reafirmava na raiva e com isso, escapulia do trauma. Só que um dia o fantasma empurra a tampa do esgoto em que o esqueci.
Ah sim, a parte Cidade Alerta passou batido. Já cortava um dobrado pra mantê-lo longe, ele ainda dava sinais que cedo ou tarde ele e a ex se pegariam no cassete e me atualizava acho que pela preocupação com L. Numa sexta não o atendi, minha mãe avisou no outro dia que ele ligou tarde e acho que o procurei, pensando em rever L. porque estava na rua, que era mais segura devido ao que pairava em torno do pai. Foi quando ele descreveu no celular um cenário de Notícias Populares provocado por ele lá na família da mãe e desligou. Passei o dia fora lembrando daquela prosa nonsense, às vezes espiava o celular e me dizia que ele inventou ou me dariam sinal de fumaça.
Deram, só que demorou: no fim da noite e pelas próximas semanas amigos e familiares me procurava por ter visto a história sensacionalista na TV ou no jornal, perguntando se ainda estávamos juntos. Explicava que não, só enrolei para cortar o vínculo por conta da L. e do cagaço, lógico. Mas só atualizar os preocupados do status do enrosco já me fez estrago. Foi depois disso que comecei fazer tratamento psiquiátrico. Lógico que os genes bichados já estavam comigo, mas sempre tem gatilho né (literalmente).
E de que esgoto surgiram recentemente estas memórias da L.? De casa, onde fazíamos yoga, lição com erro duma escolinha dela no outro lado da cidade que preocupava, víamos desenho, viajávamos, cozinhava e emputecia quando ela torcia o nariz feito eu na infância, dormíamos juntos, curtíamos sozinhas com o maníaco trabalhando, inventávamos brincadeiras no jardim aqui do conjunto e passeávamos. L. foi um aprendizado que me marcou que tudo é bom e ruim, em paralelo. Especialmente “maternar”, porque não posso acusar minha mãe de romancear isso — muito pelo contrário! Ouvi tanto do caminho do meio no budismo, mas vivência pra mim sempre tatua mais aprendizados.
Esta história vomitada tem que serventia mesmo? Para deixar registrado nos autos para posteridade porque não perguntar ou dar notícias de ex para quem amamos. Pode evocar barbaridades como essa. E porque brinco tanto quando me cobram filho: para disfarçar a má impressão que toda história de casal pode se transformar numa guerra no fim (imaginava o sofrimento da mãe da L. na época) e o quanto mães e crianças sofrem em vão. Mas especialmente a gente escreve para dar contorno, porque isso era embotado e confuso, sem lembrar de detalhes. E você que leu, que imagem sua imaginação te trouxe?