
Como é que estudo em plenas férias? Amigos e familiares me questionam nestas primeiras tréguas escolares em cinco ou seis anos em que não coloco o pé mochileiro na estrada. O questionamento chega no meio do Encontro Nacional de Pedagogia Griô, que pela primeira vez acontece todo virtualmente, devido à pandemônia. As respostas para minha pira na pesquisa cultural são muitas: é terapêutico enquanto meu ímpeto sagitariano não pode se embrenhar sertão adentro em busca do Brasil profundo. A gente também se sensibiliza de encontrar esse pertencimento em meio às vivências quilombolas, da cultura popular, experiências indígenas, da tradição oral e das partilhas ancestrais brincantes. Sim, pedagogia griô é um bocadinho disso tudo e mais um bocado para o qual faltam palavras. Mas também retomo essa pesquisa pra reencontrar e reconhecer meus pares: arte educadores, professores, pesquisadores e artistas. São muitas as razões pra voltar a estudar essa pedagogia criada pelos educadores populares Lilian Pacheco e Marcio Caires dois anos depois duma imersão no espaço deles, a Associação Grãos Luz e Griô, na baiana Chapada Diamantina. Mas acho que a motivação que mais me afeta é a que senti depois de anos visitando outros quilombos e participando de eventos indígenas, justificando buscar as narrativas que não aprendi na escola pra multiplicar entre meus aprendizes, mas quando visitei, aprendi tecer rede, almocei, chochilei na cama da anfitriã e troquei percepções no Quilombo Remanso em 2019 -com mediação dos criadores desta pedagogia meio afro, indígena e cabocla vi que minha busca era maior. Ali, entre prato de mamão verde, alegrias dos amigos de estudos e partilha do que aprendemos e descobrimos, senti que toda minha travessia interior adentro foi em busca de mim mesma. Porque meu avô, apaixonado por árvore genealógica, retrocedeu mais de décadas em busca de nossas raízes e me afirmava com conhecimento de causa: somos caboclo com caboclo! Os povos originários me fizeram entender o que é isso. Enxerguei minha avó nas mestras das ervas que vi e ouvi nesses últimos reencontro. Vi meus familiares apaixonados pelas histórias dos primos, tios e avós nos indígenas chamando outras tribos de parentes. Vi nas parteiras uma paixão própria que conheci e me tocou estudando com doulas, na selva urbana paulistana mesmo.
Não, esses não são os únicos “alumbramentos” em contato com esta sabedoria, como diria Guimarães Rosa ou Manuel de Barros. Também fico maravilhada quando vejo contadoras, escuto cantores, caio de amores pelas danças e me junto aos percussionistas populares, confirmando que embora só tenha estudado umas férias com esses guardiões da sabedoria ancestral, eu já multiplico como posso entre minhas turmas e agora também entre os professores da rede de Santo André, porque ano passado comecei minha partilha pedagógica no Compartilhando Saberes cantando música das caixeiras do Divino e tocando uma caixa pequena dessas mestras maranhenses. Nem a emoção e voz falhando impediram que esse improviso de aula espetáculo digital chegasse, a despeito dos paus na educação remota.

No segundo dia deste Festival Griô que ainda vai até domingo, namorando a enorme programação, tentei entrar nas salas de batuque, canto ou teatro populares. Mas acabei parando na sala das anciãs que trabalham com ervas e trazem crianças ao mundo. É inexplicável, mas terminamos no estudo que precisamos mesmo. Ouvindo as mestras tradicionais Kujà Iracema Gã Nascimento e Val Santana alertando pra pedirmos licença às plantas, me questionei como fazer isso na periferia em que já compro as ervas todas ensacadas e rotuladas nas lojinhas do meu bairro… Quando dona Val lembrava de seu tempo como parteira, senti o cheiro da minha avó um bom tempo. Geralmente é difícil meu nariz colaborar, porque em São Paulo a maioria das vezes ele entope mesmo. Me emocionei e depois falei com minhas primas porque não lembrada da nossa avó ter feito algo parecido como as mestras anciãs que ouvi na última terça. Mas elas lembraram que da nossa avó passar a maior parte da vida na roça, chás, banhos de assentos, compressa e unguentos eram tudo que tinha como medicina. Fora que ter nove filhos no interior, em casa, já dá até mais experiência que muita doula urbana. Elas viviam entre parteiras! A dona Val, personagem do filme de seu neto, Umbigo, recomendou que a gente descubra nossas raízes pra ser mais feliz. E não é o que faço visitando, pesquisando e contando da cultura popular aos meus alunos?
Depois dessa aula de mestras griô, fui fazer algo que já tinha em mente desde o ano novo: plantar cafés que tinha por aqui, dados por meu pai e que eram o trabalho do meu avô, na máquina em que ele torrava café no norte do Paraná. Do meio pro fim da tarde, fui fazer um lanche e doida por um café que estava, lembrei da lição prevenindo pra não tomar tarde e evitar também beber muito chá mate que afeta minha insônia. Fiquei com o chá de camomila e o sono foi bento como há semanas não era…!
Bora pros encontros griôs de hoje, porque dá pra se emocionar muito mais ainda! Respondendo aos amigos educadores me cutucando que não paro nem na nossa folga, reforço: estudo pedagogia griô porque é uma pesquisa que fazemos também dançando, com narrações de histórias, cantando, brincando e tocando. E por ser nossa cultura uma das minhas paixões irreversíveis, é praticamente uma viagem impossível em tempos pandêmicos: já visitei Pernambuco, Brasília, Porto Algre, Bahia… Virtualmente pelo compartilhamento da cultura do nosso povo!