Homem Capivara

Desconfio que a melhor idade tem esse nome porque aqueles que chegam a ela só fazem o que dá na telha. Eu que lute se meu pai diabético e hipertenso bebe, come pururuca e me preocupo! E não há puxão de orelha que o convença: já foram ditos os riscos do auto-descuidado brincando, brigando, séria, pelas tias, pelos primos e por pombo correio. Só falta mesmo dar um pulo no boteco e dizer ao dono que enviarei a fatura do enterro pra ele dividir conosco. Talvez fosse mais justo que pagasse 75% dessas despesas.
Consegui ir à médica dele, depois de muitos perdidos por parte do Homem Capivara que me gerou. Só pra eu negar todas conversinhas pra boi dormir que ele devia contar para ela. A endócrino perguntava: “o senhor bebe? Fuma? Toma pinga? Come de 3 em 3 horas?” e se chocava a cada resposta preocupante. Sentei no degrau da maca para assistir de camarote, só faltei levar pipoca. Com meu pai justificando que o bar é uma terapia, não aguentei:
- Ele tem métodos arrojados de cuidado da saúde. Quando morrer vou doar à ciência. Será um ganho significativo para futuras pesquisas estudar o Homem Capivara, que assim como o bicho na margem dos rios podres da capital, só está de pé por um milagre inexplicável que a ciência precisa desvendar.
Meu pai — teimosinho da estrela (podíamos lançar um boneco para lidar com essa fase. Ele perguntaria “cadê minha pururuca”? internado no hospital) — ganhou o codinome Homem Capivara desde então — é uma teimosia que supera e muito a minha. Um treino e tanto para melhorar a toque de caixa.
Pois você pensa que já desfilei todo rol de bizarrices que sabem os budas e orixás como ainda não o levaram desta pra uma melhor? Sabe de nada inocente! O senhor capivara tem caído no banheiro — insistimos em por barra de segurança — ele nega porque quer medir tudo, comprar barra lilás de bolinhas amarelas… Enquanto isso, comprei tapetes de borracha, dei ideias de se sentar, apoiar nas barras de toalha, pia chumbada na parede… Mas há pouco tempo voltamos lá e havia um tapetinho de pano ao lado do que gruda no chão. Gasto toda minha paciência com meus estudantes mais velhos, mas lá não seguro a onda:
- E aí, vamos quebrar a bacia pra arrumar isso aqui?
E não para por aí! Agora ele também confunde dias da semana e pergunta 322223 vezes a mesma coisa. “Ah Francine, ele faz isso ao acordar, deve estar grogue de remédio”. Como explicar a teimosia em andar na contramão e preocupar até mesmo o porteiro do prédio deles? Ó deus eu me pergunto porque o Detran não confisca a carteira dos homens capivaras preocupantes à segurança no trânsito?
Meu deos vamos interditar esse senhorzinho sem juízo dizem conhecidos que como eu fizeram medicina por correspondência. Já falei com amigo/ parente advogados e pelo panorama jurídico me deram precisamos aguardar até que toquem fogo na casa — ou quase. A médica na qual cheguei mais cedo para dar a real do tratamento furado disse que outros especialistas avaliam isso. Lembrei dum colega ter dito que a justiça demanda laudos para evitar que a gente dê o golpe nos desajuizados e comentei com ela que se quisesse dinheiro, não seria professora ou artista neste Brasilzão fascista. Bom, ela encaminhou pra geriatra e pneumo darem uma avaliada. Resta investigar junto à mãe - deprê, sem comer, caindo pelos cantos e furando a 3a terapia desde a aposentadoria há uns aninhos — quando marcarão pra eu ir junto de fiscal. Ou o homem capivara interpretará bem um amável senhorzinho que se cuida. Depois a atriz da família sou eu.
Brincadeiras à parte estou há um tempo significativo me questionando qual o limite de esperá-los arriscar sei lá o que para botar toda $ deles em nutricionista, cuidador, terapeuta ocupacional, faxineira, cozinheira, enfim… Por hora, sigo desconfiada de que os velhos começam a sentir que podem voltar à natureza a qualquer tempo e vão se fechando, arredios feito sementes ainda imaturas para germinar, prontos pra virar planta e ponto de pouso de pássaro. Seria poético se não fosse trágico.