Jovens e adultos: esses alunos invisíveis
Nossa: ando mesmo sumida por aqui! Mas é aquela tragicomédia dos que escrevem: quem quer ler em meio às postagens ágeis das redes sociais? Assim é também nas educações formal e informal voltadas aos jovens e adultos. Depois de nove anos me exaurindo entre projetos, EJA em Santo André, formações, oficinas, narrações e palestras, estou com a língua de fora. Sim, esta é uma atualização ansiosa para acabar meu inferno astral.
Depois de 8 anos na EJA andreense não tenho mais emocional e nem físico para correr da política ou denunciar o projeto racista de desmonte desta modalidade. E eu fui educada vendo o sindicalismo em casa e acompanhando na TV notícias se os trabalhadores do ABC ainda estavam presos nas fábricas. E sou filha de Obá: odiamos injustiça. Estes meus estudantes também reclamam que só veem investimentos nas crianças, porque eles não são o futuro. Eu e uma amiga e também prô insistimos que eles são o presente. Mas depois de oito anos brigando para ter jantar diariamente para eles, estamos no mesmo barco tirando água com as mãos e baldinhos de criança — sempre, tudo para elas!
Este ano dou oficinas de Teatro do Oprimido no Centro Cultural da Penha. Voltei ao bairro em que comecei na educação e fui psicóloga informal duma amiga hiper demandante. Ou seja, voltava por um motivo mais estimulante: pessoas que querem jogar e improvisar! Depois de nove anos implorando por espaços, participação, fotos, público, apoio para multiplicar o criador desta metodologia, Augusto Boal, na EJA, finalmente tenho públicos ávidos pelas possibilidades cênicas no coletivo, espaço sem móveis, espelho em sala…
Nesta reta final porém, faltando duas semanas, os grupos estão esvaziando. É destino dos jovens e adultos não finalizar os estudos, sejam formais ou informais? Senti que no CCP, onde também fiz oficinas de produção cultural e costura de livros artesanais, que finalmente me provei — nada de errado com meus estudos, experiências, didática, histórias, improvisos... Mas é melancólico encontrar estudantes abertos assim quando meu corpo não dá mais conta fisicamente: administro os pratinhos das dores nos pés, pulso, dedos, ombro e joelho. Inicialmente reluto para ir num médico da “melhor idade” indicado pela tia, com dores semelhantes nas mãos. Agora enrolo para fazer o exame que ela me pediu. A médica, assim como amigos e parentes, se divertiu com o entretenimento de qualidade que gerei no consultório. Mas estou TÃO cansada que já questiono porque rir da minha desgraça se não sou clown? Há possibilidade de retomar estas oficinas curtas ano que vem, mas tenho dúvida se é o caso de cruzar a cidade de novo com um pagamento em dois meses. Aparentemente a resistência de mais de 23 anos no teatro e narração estão miando. Tenho oito ideias de projetos, livros e contações na cabeça, mas 0 libido para produzi-las. Devemos ter dançado atoladinha na mesa da Santa Ceia pra ser artista-educador-pesquisador no Brasil. Ah sim, os estudos profissionais me renderam estafa emocional, então não, fazer doutorado e dar aula em universidade não é uma possibilidade.
Mas não, nem tudo é empurrar com a barriga aos 45 do 2o tempo em 2023. Todas semanas tenho pesquisado e atualizado jogos a experimentar com as turmas do CCP. E eles “comem com farinha” todos. Com a memória avariada da exaustão, confiro em meu bloquinho os jogos a trabalhar — ganho de uma das participantes no dia do professor — mas eles não se importam, escrevem agradecendo, dão ideias, levam figurino, propõem alongamento com a experiência em dança de uma participante, escrevem roteiros, veem peça infanto-juvenil juntos, levam as filhas — e as envolvo nas propostas. Vou acabada porque entre os trem e metrô do Brás parece que andamos até a estação seguinte e volto lembrando de jogos, reinventando improvisos, percebendo lacunas, levantando dinâmicas na internet e recontando ao marido as novidades… O público que melhor me dou é jovem/ adulto, o que posso fazer? Se tiver que voltar às crianças, avalio me jogar no Ribeirão dos Meninos, mas o máximo que terei é leptospirose.
Na EJA é tudo intenso: revoltas e alegrias. Os jovens e adultos quase se pegam no tapa entre o interesse e a apatia. Numa das EMEIEFs este ano tive o motim de do grupo “erguei as mãos” fugindo das aulas porque “tudo não era da religião delas”. Olho em volta e as escolas não tem crucifixos, onde foi interpretado que seríamos sucursal dos neopentecostais? A gestão me pediu ajustes em aulas, mas não temos formações noutras linguagens, de qualquer modo fui bem clichê porque a imaginação não trabalha sob pressão e fiz máscaras em novembro. Sempre querem saber qual a religião da máscara que decora a parede de casa e ilustra estas aulas. A líder da rebelião fundamentalista reclama para outra colega de trabalho que não fui acolhedora com a doença dela — há semanas ela foge de mim, alguém já fez isso por telepatia?
Mas a surpresa boa são as evangélicas que ficaram em aula, fizeram as máscaras mais trabalhadas e coloridas e ainda riem quando brinco com as rebeldes que se refugiam na sala ao lado. Já falei que não somos Mc Donald’s pra rejeitar o número um e comprar o dois, perguntei sobre minha religião e quando não responderam, disse que não sabiam porque não estava falando dela, que a escola desagradará em muitos sentidos e que também estudei anos matemática e química sem querer. Mas é espantoso que venham à escola e tenham regressão dos alunos mirins que já foram. Adaptei minha aula por falta de libido pra brigar, mas no fim não precisava porque a maioria que ficou topa propostas fora da caixa.
Em meio a este texto, uma amiga do Teatro do Oprimido avisa que o sarau de um amigo em comum mudará do fim de semana para dia útil. Penso que trabalhamos nas horas vagas dos outros e por isso mesmo não devíamos ser desvalorizados. Não é à toa que depois de um tempo só temos amigos educadores. É contraditório ter buscado mudar de profissão pra depois ver que trocamos problema do stress corporativo pelo desmonte das políticas cultural e educativa. Não é possível voltar à terra arrasada da comunicação. No meio tempo entre o ABC e a zona leste cuido de mim “como se não houvesse amanhã” — com brechas pra dar atenção pra mãe deprê. Aqui deve morar uma das razões desta canseira toda porque é overdose de cuidado — já que os estudantes também me tratam como arterapeuta informal.
Educação é feito maternidade que lembra trabalho invisível doméstico: ofereça ajuda, não palpites!
Sobreviveremos.