Licença para um desabafo pedagógico

Há uma semana me cutuca a gastrite uma das minhas semi chefas (desculpe mas se o cargo começa com assistente, devia auxiliar e não empatar o rolê pedagógico) ter visto 1/3 da minha aula e numa pegada passivo-agressiva elogiar, mas recomendar que use a apostila. Falei que ganhei o livro do professor do colega que abriu mão das aulas, mas com o mestrado não consegui estudá-lo — porque é uma escola em que só cruzo professores no cafezinho, 2hs por semana, não dá pra costurar resistência e comprar briga. E briga em voo solo estou dispensando, porque tenho uma saúde mental a zelar.
Quando acontece essas tretas eu desabafo com estranhos que é pra ver se alivio o ouvido dos camaradas. Nesta semana não devo ter sido feliz nesta empreitada. Devo estar de volta ao fund I há um mês e meio. Conto histórias, canto, desenhamos, fazemos percussão corporal, dinâmicas… Agora que as crianças fazem festa com minha chegada, me cumprimentam no pastel da esquina, prometem chocolate e dão abraços, sei não se é o caso de mexer em time que está com o jogo favorável — até porque quem segura a bronca deles irrequietos no atacado depois somos nós.
Sondei deus e o mundo pra ver se tinham portarias ou normativas do projeto pra verificar o quanto o livro didático é ou não uma camisa de força. Tenho amigas ótimas professoras que brigariam felizonas nesta treta, mas sei que se começo, descompenso voz, fico nervosa, mudo o tom… E mesmo certa, perco a razão. Enlouquecem as mulheres num sistema pensado pra nos tornar medíocres e depois o problema é nossa TPM…
Nesse meio tempo, desejei ser como os que se adaptam e não fervem as ideias com essa síndrome de pequeno poder. Lavei a alma ao ouvir no mestrado para nos mantermos próximos do processo criativo, pois só a arte promove o que ela possibilita na escola. Cismo que a encrenca não é dar aula aos pequenos e sim, gestão e pais causando à toa.
De volta à infância, soube que o filho do meu primo sofreu numa adaptação muito rápida de escolinha e eles abriram mão disso por hora. Meu outro chefe lembra dos maus tratos duma professora quando começou estudar. Puxo pelo fio da memória: me tiraram da CEI quando caí na pedra embaixo do escorregador e não conseguia puxar ar pra responder se chamavam minha mãe, noutro ano me tiraram quando minha avó morreu, mas não lembro como me sentia e passava fome pequena em escola porque não comia qualquer coisa (incluindo merenda, mas não podia trazer comida de fora). Cismo que é por essas e outras que as crianças se rebelam mais tarde. E desconfio que não seja a única que tenha vindo para a escola por gostar de pessoas, não das instituições. Porém, precisamos cuidar dessas nossas crianças machucadas no chão de escola quando pequenos, pra não feri-los sem entender nem porque.
Que fim levou minha novela pedagógica? Dias depois de bode com a gestão, perguntei para a mais gente boa, de uma outra escola tão tranquila que dá até uma estranheza, se o livro era obrigatório ou apoio, auxílio e suporte. Como desconfiava, se a maioria das escolas não cobra documentação, nota, livro, é porque projeto tem brecha pra criar o que estudaremos. Outra colega também por dentro de legislação recomendou não verificarmos isso para além dos muros da escola ou os colégios de boa terão que me cobrar o que não estão questionando, daí a treta espinha porque não tem mais tempo para outros documentos que vão direto para a “mofolândia pedagógica”.
Nos finalmentes queria pedir à Peteca para estragar estrategicamente o livro em que ela cochila. Descubro sem querer que um dos autores foi mestre da minha prô de canto, que tem me ajudado com percussão corporal, pois o teatro foi considerado dinâmica que quebra protocolo sanitário. Quero dizer que já uso parte do que está lá, porém adaptado à tradição oral. Penso em barganhar que usarei um exercício semanal se me ajudarem a levar as crianças no teatro de sonho que o colégio tem, mas subutiliza. Mas mal consigo me aquietar na folga abonada que tirei para não voltar ao cabresto pedagógico em que me rebelo semanalmente. No primeiro dia livre que usufruo na quarentena, sonho com programas culturais devido à 2a dose. Mas por não aguentar mais pegar meia dúzia de conduções ao trabalho, passo frio esparramada em casa e me encantando com vídeos da cultura popular. O pedagogês dá nos nervos! Se ele não me enlouquecer, nada mais me pira…