O ano em que tivemos muito mais que 365 saudades

Dizem que os loucos se atraem…Deve ser, porque ouvindo a live do @rodrigoeloi80, na qual entrevistou Cecília Boal, viúva do criador do Teatro do Oprimido, escutei que ele tem saudade de receber perdigoto do ator na primeira fila do teatro [suspiro] Dei altas e boas gargalhadas, meu companheiro não entendeu porque estava de fone e a gata saiu de perto porque não é fã dos meus arroubos expressivos cênicos… Desde então venho contabilizando essas faltas nonsenses que só a pandemônia provoca na gente e… Bem, resolvi escrever porque listas sem lógica reorganizam gente irriquieta feito eu...
Uma das faltas insólitas de isolamento é fazer pilates lá na academia, a professora reclamar que a borracha em que deitamos ainda tem cheiro de suor dos alunos dos outros turnos e voltar toda dolorida. Saudade das discussões e assembleias até pra espirrar com os amigos teatrais mais dialéticos do mundo na pós de Teatro do Oprimido. Saudade de ser a campeã olímpica em descoordenação na dança, ao vivo e em grupo. Saudade de pegar ônibus em São Caetano com os adolescentes causando e ainda descer no trem na maior prosa com eles. Saudade de brigar com os chefes ao vivo, a cores, sem delay de som ou vídeo travando. Saudade de levar três conduções para chegar às viagens de férias no interior, chegar moída de cansaço, mas os vizinhos de albergue não nos deixarem dormir. Saudade de não conseguir me alongar ou equilibrar, reclamar irônica na aula de yoga, a gente rir e desconcentrar de vez da postura. Saudade de chegar aos 45 do 2o tempo nos cinemas de rua da Paulista, não ter mais ingresso para o que assistiríamos, a fila ir lá pro meio da calçada, a gente tomar chuva para um filme que nem sabe como é e se consolar com pipoca murcha (ou seca). Saudade de ser picada por bichos diferentes em parque, praça, trilha ou beira de qualquer rio diferente do vizinho Ribeirão dos Meninos. Saudade de reunir com a família para além do núcleo duro, ouvir bizarrices e virar os olhos sem paciência. Saudade de treinar caminhada defensiva com minha amiga no Heliópolis, onde o trânsito lembra o da Índia. Saudade de comprar bugiganga na 25 de Março, pagar e pegar o pacote correndo, mas só perceber que trocaram a mercadoria três estações pra lá da São Bento. Saudade de comprar roupa no Bom Retiro, não deixarem provar e a gente improvisar testando o cós da calça no pescoço. Saudade de rever amigo em boteco pé sujo ou restaurante popular, que nunca têm nada sem glúten/ lactose, nem bebida doce, passar a noite na tagarelice, fome e toureando a raiva. Saudade de estranhos suando no cangote da gente nas rodas de samba. Saudade de ter bode de ser baixinha e só fazer audição em show. Saudade daquelas reuniões ansiosas e falastronas de amigos, em que ninguém se ouve, a gente volta com o ouvido congestionado e se perguntando quem foi que disse o que mesmo? Saudade desses encontros fugazes e de troca inesperada na condução pública. Saudade de tomar tranco no metrô e rir alto com passageiro estranho. Saudade de não parar de falar duma peça com espectador estranho.
Se tem palavra que sintetiza esse modo “pandemia sofrência” é saudade melancólica.
E você, de que bizarrices sente falta?