Os buracos que Vieram À Tona no Teatro na Encruzilhada

E lá se foi o último ensaio do ato artístico político “13 Buracos”, fruto do projeto Teatro na Encruzilhada, da Cia Teatro Documentário, ensaiado no Bixiga e que será apresentado embaixo do Viaduto Julio de Mesquita Filho, na Bela Vista/ SP, dias 12 e 13 de novembro, sábado e domingo, às 15h. Dado o serviço básico, vamos ao processo de escrever, ouvir, ensaiar e refletir sobre os buracos do documentado Mineirinho, dos amigos de cena e meus também.

O 1o impulso é cismar que me vi meio peneira neste processo criativo: mas tentarei conter a veia exagerada sagitariana.
Tenho uma coleçãozinha de buracos: alguns mais simples e outros mais complexos. O que me vem à mente do primeiro tipo é que perderei a estreia no fim de semana do feriado de 15 de novembro porque uma “viagem caiu no meu colo": amigos do marido casarão numa praia fashion e entrei de gaiato nesse navio, porque serei a única a priorizar a busca por outro instrumento percussivo e não a maquiagem/ cabelo. Mas a atriz Dani, que na segunda imagem pousa seu véu na carroça dos "carrinheiros" da região, me ensinou a embarcar e curtir, porque viagens são menos frequentes que apresentações.
Isso deve ter a ver com meu buraco de dificuldade “braba” com elogios, ajudas e favores. Dizem que é pela história da minha mãe Obá, criada para ser homem, que cai numa armadilha de Ogun, que a tira da guerra, mas não liga muito pra ela. Depois Obá é levada por Xango, que igualmenre tira esta guerreira de campo e não a reconhece. Ao menos uma amiga de terreiro diz que pra nós, filhas dela, nenhum elogio é o bastante.
Disso deve vir meu buraco de me provar, entupido de produções, que ferveu e está derramando uma vida como “batalhadora dos projetinhos”… Um buraco que quer a luz do sol e não conquistas que o tapem. Foi sobre ele que sugeri mais um buraco para a apresentação, que ao final destoou da dramaturgia e virou uma gravação que “de quando em vez" uso como “audioterapia".

Mas ainda deu pra me ver de cara com outros buracos? Alguns ainda cheiram a tinta fresca, como a saudade doída do tio Arantes, meu pai postiço, sobre quem já escrevi aqui e está numa casa de repouso. A doenca degenerativa complicou que continuasse com a família, porque caía muito, precisava de fisio e sol, indisponíveis no prédio sem elevador em que morava com tia e primos. Visitei esse antigo músico, leonino e contador de causo, mas a versão que nos deixa nostálgicas já não está mais por aqui. A doença diminui a força dos músculos, o que não nos deixa entende-lo, não temos ideia se nos reconhece e dos dois instrumentos de percussão popular que levei, ele tentou tocar um. Mas a risada que às vezes ele dava me deu vontade de cada vez parecer mais com esta família escolhida e não com a de sangue. Milagrosamente não saí de lá triste: é o que farei do que fizeram de mim — lembrar o tio das vivências e histórias doidas. A saudade dele interativo e centro das atenções segue e dá contorno para este buraco adulto demais para o meu gosto.

Tem ainda o buraco das saudosas “febres” retrô. A falta delas fazia parecer que não estava viva. Caí no canto da sereia e… Foi só um pacanda barulhenta, inesperada e que molhou até os ossos. O revertério foi pedagógico: era ziriguidum demais para uma temporada tão curta. Acordei deste ensaio de delírio e caí. Ficou alguma poética, remix enferrujado de sensações, redescoberta de músicas de trabalho e a constatação: foi só uma “miração”. As bordas desse buraco agora me contam: havia uma razão para que o devaneio não voltasse depois de tanto tempo. Quando perdi o pé do chão e a cabeca ameaçou alcançar as nuvens, despenquei. Foi só uma miragem, não havia água e nem sombra.

Mas porque insistir nos ensaios e experimentações com tanto espelho me apontando buracos esquecidos? Porque a parça de processo Flávia, fala da beleza de olhar o buraco, sabe-lo ali, ao alcance dos olhos e aceitar seu vazio. Levei seis meses escrevendo, gravando, ouvindo e buscando beleza em meus vazios. Inspirada pelos buracos partilhados pelo resto do elenco, foram muitas páginas, escuta da minha própria voz e partilha desses movimentos intensos ao pé do ouvido “dazamiga". Até que dancei na chuva, de olhos fechados, ouvindo Florence & The Machine, na plataforma do trem e com a capa de chuva. Meu reflexo no trem que chegou ajudou a achar bonito que meus buracos costurem meu território afetivo. É minha ruína e minha redenção: a que cria e é espirrada das escolas e família e a que agora tira band aids e gaze dos buracos — porque de fato são belos! Tudo bem ser atravessada por vazios. São minha coleção de aprendizados e repetecos das lições em que fui reprovada. Entre uns e outros, minha poética que cura.
E há de me resgatar do buraco fresquinho de um golpe. Mas minha tolerância nenhuma em chorar esse vazio não me deixa acessar esta memória. Porque só aguento rever lembranças em perspectiva. Então deixo coarando no varal por enquanto.
Você já dançou como se ninguém estivesse olhando e encontrou beleza em seus buracos neste sábado?
Serviço da apresentação dos artistas (ma)cumbeiros:
