Francine Machado De Mendo
4 min readMar 19, 2022

Quando o medo de chuva me encontrou

Provavelmente eu saí do berçário ansiosa. Não dormia à tarde como os coleguinhas do jardim e do pré. Eu punha minha avó pra dormir e voltava à sala informando que ela chochilava. Tive febre insistente na expectativa de eventos que me animavam, a ponto da pediatra perguntar à minha mãe quando me levava nela queimando, se estava para ir numa festa ou viagem.

Até onde entendi as explicações que levantei em busca de paz de espírito, possivelmente o sono capenga desenvolveu TDHA e este levou à bipolaridade. Como a medicina é toda dividida em caixinhas incomunicáveis, estabilizaram este último transtorno há três anos. Santo lítio! Saí da eterna TPM.

Mas quando perguntava o que fazer para conter o TDHA… Diziam que não interviriam nele, para não desestabilizar meu outro modo pilhada de ser. O neuro psicólogo que confirmou o TDHA do qual desconfiei em treinamento inclusivo na escola o classificou como leve. Meu ex chefe e atual marido discordavam.

E assim segui meio manca no tratamento. Brincava rindo de nervoso que algum dia fariam estudos do absurdo de melhorar um transtorno e nos deixar à mercê do outro.

Corte do drama da via sacra de médico pra cena em que coloco minha “loucura a serviço” na Casa do Todos, com encontros brincantes em manhãs semanais com crianças e idosos. Lá conheço uma médica entusiasta do óleo CBD.

Lembro que ano passado tive quase uma experiência mística aprendendo a fumar maconha, numa festa de amigos em que me peguei deslumbrada com minha versão chapada e zen. Lamentei o baseado ser complicado pra neuroatipicos, caso contrário me apapaziguaria com a erva mesmo.

Enrolei um tempo razoável com o contato dessa nova psiquiatria na carteira. Já desconfiava que não pudesse pagar e não queria passar chapéu na família de novo. A vontade de melhorar às vezes engasga pelo caminho, quando dá de cara com o autoboicote.

Finalmente, com a possibilidade de um desconto, a procurei. Entrei numa parceria dela com uma empresa que importa os óleos e ganhei o primeiro vidro. Desde janeiro temos aumentado poucas gotas a cada semana.

No último retorno, quase dois meses depois do começo do tratamento… As melhoras são tão rápidas que dá um tilt existencial “se não sou a ansiosa que habita em mim há décadas…o que sou"?

Me explico: consegui mandar currículo, projeto e memorial pra umas cinco oportunidades culturais em aberto. Sem atrasos, sem me perder na papelada, conferindo cada doc salvo e inscrição enviada. E ainda me dei limite pra não cair na compulsão de trabalho sem fim de novo. Fui atrás de aulas de dança, por recomendação espiritual e médica. Uma gratuita que encontrei era tão longe que pioraria o cansaço semanal das horas gastas rumo ao trabalho toda semana. Desisti, mesmo apaixonada pela oficina e ela acontecendo em minha folga. Aliviei meu mal estar das amizades distanciadas, racionalizando que trabalhamos em horários díspares e que nas horas vagas meus amigos têm problemas de gente grande. Sinto uma exaustão como se já fosse o 3o bimestre, mas ainda é o primeiro. Possivelmente percebo esse cansaço porque desacelerei. Parei de romantizar a compulsão pela produção porque caiu a ficha que preciso de retorno financeiro nesta altura do campeonato — com o todos, inclusive quem não gosta do que faz. De um modo geral estou menos impulsiva e com mais paciência — e agora, o entorno familiar concorda.

Só não contava ter uma cisma à lá Oswaldo Montenegro: "quantos defeitos sanados com o tempo eram o que de melhor havia em você”? É quase como se a gente fosse se reconstruir emocionalmente adulta. E isso dá uma nova espécie de borboletas na barriga, que por ser nova à 1a vista só amedronta.

Tento me convencer que a surpresa de como serei com as compulsões num chiqueirinho contido pode ser boa. E ao mesmo tempo lembro dum produtor com quem trabalhei, que defendia que nossos transtornos não eram algo a ser corrigido, mas nosso melhor, com o qual fariamos coisas que só nós poderemos criar. A própria ativista sueca e jovem Greta acha o autismo dela um superpoder.

Tenho espanado nessas elocubrações. Mas às vezes ainda calculo mal meus impulsos. Há pouco tempo vi que a chuva não diminuiria na saída da natação e voltei assim que ela ficou mais leve. No caminho, Iansã meteu bronca nos raios e me assustei pela 1a vez dum raio cair num poste à minha frente. Desse dia em diante me espantei “como assim não tinha medo da chuva, nem ficava em casa com tempestade e coisas pessoais a resolver na rua”? Dias depois, minha gata correu e eu pulei com os trovões desses torós sem fim dos últimos tempos. Foi assim que o pé atrás com a melhora da ansiedade e o medo da chuva me encontraram, num verão mais duradouro que o habitual. Torço pra que o cagaço que mais tem me feito questionar e grilar com as novidades possa partir assim que possível. Evoé!

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Written by Francine Machado De Mendo

Brincante,professora de artes na EJA escritora,"gateira",contadora de histórias,nadadora viajante,escritora, macumbeira,pesquisadora e batuqueira.

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