Reencontro com amor velho de guerra

Francine Machado De Mendo
5 min readFeb 12, 2024

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A foto voltou pra minha vida mês passado. E voltou com tudo: fiz expedição cultural entre Sergipe e Bahia, comprei câmera profissional e cliquei o Encontro de Cultura Popular de Laranjeiras. Ia escrever que cobri, mas não havia nenhuma credencial. Sinto como se fotografia afastasse a névoa da beleza escondida da vida. E pra escrever sobre, só esperava esse mote mesmo. Acho que a foto está me ajudando com a ansiedade. A unha até cresceu!

O doido foi começar a viagem ansiosa, querendo voltar, *me jogar* da sacada do hotel ou ir de camisola prum PS em Aracaju. Mas a mesma mente que prega peças é a que confia no processo: desconfiei que passaria por uma cura entre Laranjeiras, Canudos, São Gonçalo ou Salvador. E elas foram muitas.

Só de brincar entre as fitas coloridas chegando ao Encontro, já voltei à infância. E por lá clicamos samba de parelha, reisado, cacumbi… Ficava felizona de relembrar das vivências de cultura popular em São Paulo. Os brincantes ficavam muito alegres com nosso interesse e era gostoso demais mostrar as fotos para eles depois. Neste primeiro dia também senti que voltava ao jornalismo correndo atrás dos foliões.

Confirmei que o budismo tinha razão quando dizia que nunca estamos só, apenas nos iludimos com isso. Na minha 1a noitada ansiosa, a companheira de quarto me deu doce e conversou comigo, no dia seguinte, o amigo mineiro emprestou o óleo CDB dele e uma amiga paulista meio que virou minha mãe postiça por lá. Grilei tanto de não deixar remédio pra trás, mas esqueci o óleo, que parece ser o comandante da distribuição dos psicotrópicos entre meus neurônios.

No dia seguinte, dei uma de sagitariana e só fiz o que quis. Ganhei massagem na tenda de auto cuidado do Encontro. Pedi um abraço à benzedeira, comentei da saudade da avó que benzia e ela me benzeu em nome dela, achava que nada é por acaso e a avó Dita estava lá.

Na hora de tomar sorvete, um cortejo diferente passou pela gente: os mascarados representavam a morte e os demais faziam batida com pás e enxadas.

No almoço, fui com amigos ao terreiro histórico Filhos de Obá, que queria conhecer desde que soube dele na formação griô, mas cheguei sem planejar, pelas mãos de Obá e Oxossi mesmo. Comíamos em paletes, descansávamos nas esteiras e em redes, algo muito bem vindo depois de descansar na praça no primeiro dia. Conhecemos o jardim e museu deles, foi muito tocante.

Depois, fui registrar a coroação de uma brincante taieira (uma das apresentações populares) na igreja local, mas acabei perdendo parte da cerimônia, porque fomos tomar suco numa senhora conhecida da minha amiga de quarto. Por fim, tentamos desviar da procissão final para pegar o ônibus com nosso grupo, mas esta andança sagrada voltou a nos encontrar e eu voltei à adolescência gargalhando com a amiga carioca.

De lá fomos à Canudos, onde cantei minha música de boiadeiro para os que cavalgariam para que fotografássemos, já desconfiando que no dia seguinte perderia a saída fotográfica madrigal, depois de tanto sono picado. Pouco depois me surpreendi porque os cliques do celular saíram melhores do que os da Nikon — também pudera: por hora, só me entendi com a velocidade.

Dias mais tarde consegui madrugar para fotografar os pescadores. Que coisa mais linda a luz chegando cedinho aos poucos. O prô dirige bem eles para que fotografássemos, mas prefiro as imagens espontâneas (uma jornalêra ainda habita em mim). Descobri conchas à margem do açude Coborogó e que o sertão já foi mar.

Na sequência, fomos conhecer uma cerimônia para Sâo Gonçalo em Santa Brígida e vivenciamos na pele o sincretismo local: moradores dançavam, cantavam e tocavam de branco na capela, os indígenas pernambucanos Pankararu incorporavam caboclos, mas meio que se vestiam do orixá Omolu. Me emocionei rezando com a amiga prô no monte com santo e crucifixo. No dia seguinte, a água acabou, votamos por ficar ou adiantar a ida à Salvador e a segunda opção ganhou. Em dois dias que a parceira de quarto acompanhou nossas andanças num aplicativos, andamos 600 km. Praticamente uma rave fotográfica.

Em Salvador, registramos a saída das baianas para lavar a escadaria do Bonfim: algo entre o religioso e o Carnaval. Andamos no Elevador Lacerda e conheci a Casa de Jorge Amado. Estava com tanta saudade de praia que na Bahia e em Sergipe matei as saudades na hora do almoço, um período complicado para branquelas feito eu.

Pausa e corta para um mês depois, já em São Paulo, registrando o Carnaval da minha prô de canto/ prima e me cansando mais do que pulando no bloco Explode Coração na véspera. Acho bem ilustrativo e terapêutico para uma viciada em trabalho e estudo feito eu se convencer do quanto isso desgasta.

Ainda persigo um meio termo entre a antiga workaholic e a que melhora duma estafa pós mestrado meses depois, mas a foto está me ajudando a respirar, encontrar beleza nas entrelinhas, estabelecer relações prosaicas e colocar de novo o pé na comunicação. Uma bênção e tanto em 2024, depois do ano anterior esfolado…! Tenho confirmado o que me dizia um dos professores de foto que tive: o olhar poético já tenho. O prô novo pacifica minha ansiedade avisando que dominarei a câmera em um ano. Já tenho job em vista entre os professores. Que os padroeiros dos ansiosos e workaholics me protejam!

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Francine Machado De Mendo
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Written by Francine Machado De Mendo

Brincante,professora de artes na EJA escritora,"gateira",contadora de histórias,nadadora viajante,escritora, macumbeira,pesquisadora e batuqueira.

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