Reencontro com o teatro — em versão (ma)cumbeira
Os jogos, improvisos, aprendizados e percepções mais generosas do teatro voltaram para minha vida loka desde maio. Criando junto com meu ex prô da Faculdade Paulista de Teatro (FPA) — Marcelo Soler — depois de 11 anos que terminei a licenciatura cênica no Bixiga. E que simbólico: voltar pesquisando, descobrindo e interagindo justamente no baixo Bela Vista. A novidade desta vez é criar em teatro documentário, área em que Soler, meu atual diretor, é referência — tenho até um livro dele nas prateleiras de casa sobre “pedagogia da não ficção”. O que quer dizer que experimentamos cenas, discussões, música e dança no fim da rua Major Diogo, numa encruzilhada de quatro esquinas sobre o “Robiin Hood da Mangueira” nos anos 60, o Mineirinho. Estudamos uma crônica da Clarice Lispector porque ele teve uma morte feito o procuradíssimo Lázaro há pouco tempo. Aproveitamos o material pesquisado do que aconteceu e experimentamos cruzar com as influências da religiosidade afro brasileira.

Esta oficina faz parte do projeto Teatro na Encruzilhada, com o qual a Cia Teatro Documentário ganhou fomentou teatral este ano em São Paulo e promove estudos cênico macumbeiros. Mas nunca mandei muito bem no teatro de rua e similares. Sou dispersa e me perco com bêbados, cachorros e crianças — sem os quais o teatro de rua não acontece. Então, porque apanhar desta minha dificuldade? No começo ainda não sabia, mas com o recesso de lá e das escolas me caíram fichas: pra me nutrir esteticamente — porque a educação pública é muito árida; descobrir que já não sou a travada que fez a apresentação O Artista da Fome no abrigo para moradores de rua Arsenal da Esperança, com a Cia Estável há muito tempo, pra perceber os amigos artistas rindo e atentos, quando cantei para Maria Padilha e costurei parte destas pesquisas dos amigos de cena com trechos da narrativa de Mineirinho…
Entre memórias e sentimentos provocados pelos encontros, me toquei de outros aspectos também: faço teatro de novo pro meu texto improvisado da Padilha associada ao Mineirinho ser elogiado pelo diretor antes de por no papel; pra entrevistar moradores e recontar aos amigos apresentando foto ou vídeo, me valendo do passado jornalístico e por fim; pra descobrir que aquilo que estudo, faço e amo é bem vindo e valorizado em algum grupo — porque no chão da escola seguirão sem mexer a sobrancelha a cada pesquisa artística e apresentação brincante minhas...
A dramaturgia começou a nascer e começamos improvisar em cima delas com amigos de oficina, propondo elementos cênicos e músicas — numa encruzilhada da Bela Vista. É uma fase em que pareço criança maravilhada. E em tempos do trabalho me adoecer, cada vez mas marco na pele porque é roubada por toda essa paixão nas escolas em que ensino artes — porque com o teatro entre os amores bandidos como hobby, tenho a ilusão de protegê-lo mais do capitalismo e do colonialismo, que se apropriam e arregaçam tudo.

Nem todas manhãs de sábado são facilidade na pesquisa do que é o ator (ma)cumbeiro — mago das palavras e poesia. Já subimos em jardim e aborrecemos a moça que cuida dele. Já fomos chamar os moradores debaixo do viaduto pra nossa festinha no fim do semestre passado e parte deles dormem de dia. Teve colegas que entrevistaram quem circula por lá e não quiseram ser fotografados/ filmados. Às vezes a condução, o sono não ajudam e atraso. Com a desaceleração infinita que tive me tratando com óleo CDB, no começo estava sem graça de não conhecer as pessoas e de ser uma das primeiras nos improvisos. É como se o tratamento do TDHA tivesse ressuscitado e tímida que fui na infância. Talvez o Luís Fernando Veríssimo tivesse razão quando dizia que os tagarelas são tímidos que falam pra despistar uma timidez incomum.
Apesar das tretas envolvidas, o teatro segue meu amor há mas de 20 anos porque apesar de já ter DRT de atriz, ele sempre se acomodou na minha vida loka como a paixão paralela — ao menos agora não concilio com profissão tão díspare porque também replico o teatro no chão de escola. Sendo assim, não tem um mundo de estruturas pra além dos ensaios, discussões e improvisos, maior que eu, que me deixa impotente e brocha qualquer idealismo — como tem acontecido na EJA de Satãndré. Mas não quero falar disso neste post comemorativo de volta à cena. Só por hoje quero melhorar da gripe que me apartou do mapeamento de cenas deste sábado. Faz falta rever os arteiros com quem me reinvento.