Reencontro com o teatro — em versão (ma)cumbeira

Francine Machado De Mendo
4 min readAug 13, 2022

Os jogos, improvisos, aprendizados e percepções mais generosas do teatro voltaram para minha vida loka desde maio. Criando junto com meu ex prô da Faculdade Paulista de Teatro (FPA) — Marcelo Soler — depois de 11 anos que terminei a licenciatura cênica no Bixiga. E que simbólico: voltar pesquisando, descobrindo e interagindo justamente no baixo Bela Vista. A novidade desta vez é criar em teatro documentário, área em que Soler, meu atual diretor, é referência — tenho até um livro dele nas prateleiras de casa sobre “pedagogia da não ficção”. O que quer dizer que experimentamos cenas, discussões, música e dança no fim da rua Major Diogo, numa encruzilhada de quatro esquinas sobre o “Robiin Hood da Mangueira” nos anos 60, o Mineirinho. Estudamos uma crônica da Clarice Lispector porque ele teve uma morte feito o procuradíssimo Lázaro há pouco tempo. Aproveitamos o material pesquisado do que aconteceu e experimentamos cruzar com as influências da religiosidade afro brasileira.

Fernando e Soler, em dscussão no ETA

Esta oficina faz parte do projeto Teatro na Encruzilhada, com o qual a Cia Teatro Documentário ganhou fomentou teatral este ano em São Paulo e promove estudos cênico macumbeiros. Mas nunca mandei muito bem no teatro de rua e similares. Sou dispersa e me perco com bêbados, cachorros e crianças — sem os quais o teatro de rua não acontece. Então, porque apanhar desta minha dificuldade? No começo ainda não sabia, mas com o recesso de lá e das escolas me caíram fichas: pra me nutrir esteticamente — porque a educação pública é muito árida; descobrir que já não sou a travada que fez a apresentação O Artista da Fome no abrigo para moradores de rua Arsenal da Esperança, com a Cia Estável há muito tempo, pra perceber os amigos artistas rindo e atentos, quando cantei para Maria Padilha e costurei parte destas pesquisas dos amigos de cena com trechos da narrativa de Mineirinho…

Entre memórias e sentimentos provocados pelos encontros, me toquei de outros aspectos também: faço teatro de novo pro meu texto improvisado da Padilha associada ao Mineirinho ser elogiado pelo diretor antes de por no papel; pra entrevistar moradores e recontar aos amigos apresentando foto ou vídeo, me valendo do passado jornalístico e por fim; pra descobrir que aquilo que estudo, faço e amo é bem vindo e valorizado em algum grupo — porque no chão da escola seguirão sem mexer a sobrancelha a cada pesquisa artística e apresentação brincante minhas...

A dramaturgia começou a nascer e começamos improvisar em cima delas com amigos de oficina, propondo elementos cênicos e músicas — numa encruzilhada da Bela Vista. É uma fase em que pareço criança maravilhada. E em tempos do trabalho me adoecer, cada vez mas marco na pele porque é roubada por toda essa paixão nas escolas em que ensino artes — porque com o teatro entre os amores bandidos como hobby, tenho a ilusão de protegê-lo mais do capitalismo e do colonialismo, que se apropriam e arregaçam tudo.

“Cenário” em que amigos desta oficina relacionaram musicalmente Mineirinho a um cavalo, que é como Helio Oiticica o pintou

Nem todas manhãs de sábado são facilidade na pesquisa do que é o ator (ma)cumbeiro — mago das palavras e poesia. Já subimos em jardim e aborrecemos a moça que cuida dele. Já fomos chamar os moradores debaixo do viaduto pra nossa festinha no fim do semestre passado e parte deles dormem de dia. Teve colegas que entrevistaram quem circula por lá e não quiseram ser fotografados/ filmados. Às vezes a condução, o sono não ajudam e atraso. Com a desaceleração infinita que tive me tratando com óleo CDB, no começo estava sem graça de não conhecer as pessoas e de ser uma das primeiras nos improvisos. É como se o tratamento do TDHA tivesse ressuscitado e tímida que fui na infância. Talvez o Luís Fernando Veríssimo tivesse razão quando dizia que os tagarelas são tímidos que falam pra despistar uma timidez incomum.

Apesar das tretas envolvidas, o teatro segue meu amor há mas de 20 anos porque apesar de já ter DRT de atriz, ele sempre se acomodou na minha vida loka como a paixão paralela — ao menos agora não concilio com profissão tão díspare porque também replico o teatro no chão de escola. Sendo assim, não tem um mundo de estruturas pra além dos ensaios, discussões e improvisos, maior que eu, que me deixa impotente e brocha qualquer idealismo — como tem acontecido na EJA de Satãndré. Mas não quero falar disso neste post comemorativo de volta à cena. Só por hoje quero melhorar da gripe que me apartou do mapeamento de cenas deste sábado. Faz falta rever os arteiros com quem me reinvento.

Sign up to discover human stories that deepen your understanding of the world.

Free

Distraction-free reading. No ads.

Organize your knowledge with lists and highlights.

Tell your story. Find your audience.

Membership

Read member-only stories

Support writers you read most

Earn money for your writing

Listen to audio narrations

Read offline with the Medium app

Francine Machado De Mendo
Francine Machado De Mendo

Written by Francine Machado De Mendo

Brincante,professora de artes na EJA escritora,"gateira",contadora de histórias,nadadora viajante,escritora, macumbeira,pesquisadora e batuqueira.

No responses yet

Write a response