Francine Machado De Mendo
4 min readJul 25, 2021

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Teria sido mais leve ir à passeata, mas tive um velório. A notícia veio pelo telefone (além de vendas gravadas, ele traz mais que más notícias?) e pela 2a madrinha, então a princípio temi pelo marido dela. Nós temos branco que os jovens também morrem. Márcio foi meu cunhado quando fui "chovem" e era tão carismático à frente da banda FDP (hoje não soaria bem um grupo chamar Filhos da Pátria) que teve um trelelé com duas amigas uma prima minha.

Tive compaixão do ex perder pais e agora irmão — não foi próximo, mas um.vaque de qualquer jeito. Ele mesmo publicou pra não irmos chorar porque o Marcio era pra cima. Tanto que cantava “mulher da zona/ mulher da zona azul". E ainda assim, não fomos capazes de segurar a onda. Não é todo dia que morre um músico e barbeiro fã do Elvis de 42 anos que o Covid não foi responsável.

Passei a tarde ouvindo histórias sobre aneurisma, Samu furando os faróis da principal avenida do feudo do ABC, sequelas, o quanto a cama não conteria alegria dele e que o check up estava em dia. De certo modo, foi como visitar fotos em sépia porque os antigos colegas me reconheciam, mas não percebiam meu riso sem graça atrás da máscara, de branco total.

Nós nos contamos histórias pra processar o baque e ainda assim, percebi a deprê atolar o ambiente e não consegui chorar. Abro a boca nas situações mais nonsense, mas desde a pandemia, nos momentos mais previsíveis pra isso, travo o canal lacrimal…

Quando minha mãe saiu de perto do caixão, aproximei, mas estava fechado e perguntei que sentido vir perto sem poder confirmar o que é difícil de acreditar.

Ouvi rock dos anos 60 e fiz cerimônia do altar de manhã pedindo por ele e familiares. À noite quis ouvir as apresentações dele que lembravam Mamonas Assassinas pq eram sempre cômicas e também porque amigas já alertaram pra saudade da voz das pessoas.

É o segundo finde que relembro e tento abstrair a treta com a morte: há uma semana um amigo encontrou e enviou vídeo duma professora de canto que tivemos. Tinha esquecido da falta que faz o corpo da Marina. Ambos eram músicos. Lembrei que o centro espírita que frequentei “chovem" dizia que havia um céu para artistas e fiquei me perguntando dele pq faria todo sentido. Mas se a morte plagiar o modo nonsense da vida, sei não…

Brinco, mas acho que quem vai ainda está melhor do que quem fica. Já tive mais mal estar dessa percepção de não ter ideia como será, mas como o senso de humor é minha jangada original de travessia da existência, já imagino uma imensa encruzilhada: “macumbeiros: decifrem o mistério da mata, cristãos, sigam o louvor e budistas: como não podia deixar de ser, caminho do meio". O que será dos ecumênicos nessa passagem?

Já convivo com minha síndrome de Peter Pan há mais de quatro décadas, mas sempre me choca minhas dificuldades com a perda e percebermos como estamos maracujá de gaveta no espelho dos antigos vizinhos. Aliás, estava lá o que tinha apelido de Vizinho. Toda uma turma de apelidos bizarros, alguns inclusive que não pegaram.

Foi um tatear de túnel do tempo porque muitos de cabelos diferentes e tempo impresso na pele lembraram de mim, perguntaram da profissão da qual desmamo há 7 anos e pela 1a vez achei bom a máscara encobrir riso sem graça dos lapsos.

Estou a caminho da ribanceira da TPM e nunca estive tão consciente como é um passeio pela sombra e como isso confirma que minha insônia briga com o cagaço de morrer. Muito embora já tenha feito a maioria das coisas que sonhava. Só é braba minha relação “daqui não saio, daqui ninguém me tira".

O Marcio seria um sarrista de velórios. Mas não fomos muito capazes de rir na sua passagem camarada. E olha que sou campeã olímpica em sincericidio.

Retomando a nostalgia, cagaço e canseira das passeatas, os militantes se atraem: uma moça me reconheceu, falou comigo um bom tempo, elogiei a blusa dela defendendo o SUS e fui adicionada nas redes sociais. Estou desde ontem navegando pelo limbo das lembranças de adolescente — além de sem graça pelos brancos sem fim do sábado cinza na cidade com síndrome primeiromundista.

Se pudesse sonhar com algo suavizador das nossas passagens, desejaria morrer e virar purpurina porque que pregui existencial de lidar com burocracia até nessas horas. E pegando carona no fim dos programas Que História é Essa Porchat, minha lápide teria a gozação “até que enfim descansando e quieta". O riso frouxo é o que nos resta no Brasil de Bostonaro.

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Francine Machado De Mendo

Brincante,professora de artes na EJA escritora,"gateira",contadora de histórias,nadadora viajante,escritora, macumbeira,pesquisadora e batuqueira.