Volta ao estágio já madura caindo do pé
Encantada com a abordagem terapêutica da arte e do encontro, tive uma breve temporada de estágio na Casa do Todos. Meu companheiro publicitário trabalha mandala lá, já tinha ido em bazar e a fundadora Mirela me convidou depois da live de jogos, cultura popular e teatro que fiz com outro terapeuta de lá, Daniel, no Espaço do Psicólogo ano passado.
Antes de dar alguma atividade lá, tem uma espécie de aquecimento do estágio: conheci os encontros de arte terapia que envolvem sinos tibetanos, tear, yoga, música, escrita, libras, mandala… Ainda faltou conhecer parte da programação, mas invariavelmente pensava no nosso público similar escolar: o da inclusão. Muitas destas atividades trabalham com as mesmas neuroatipias, mas sem focar na inserção escolar ou profissional deles. No chão de escola, muitas vezes o trabalho é um princípio educativo e na Casa, é mais um viés terapêutico. De qualquer modo, sempre tiro chapéu para quem trabalha com público de inclusão adulto. Já não tem iniciativa nem para juventude “normal”, para os mas velhos então…
Minha “aclimatação” foi do fim das férias escolares até fevereiro. Entre uma descoberta e outra, ainda me perguntava: “em que minha ‘loucura mansa’ pode ter serventia nesse espaço”? Mas os colegas de atuação lá tranquilizavam “a Casa está apostando em você, vai fundo”! Lembrava de amigos trabalhando artisticamente com público em sofrimento mental e às vezes era mais pancadão que na escola. Então imaginava se me ajustaria… É claro que não! Quem já tem uma vida de desajustes não vai “se encordoar” agora aumentando a coleção de voluntariado dessa vida. Tolinha…
A fundadora tem uma intuição meio “bruxinha extraordinária”. Ela repensou dias e horários imaginados anteriormente e me chamou para manhãs brincantes para seus netos e pais. Quer dizer, no máximo haviam neuróticos entre nós, mas até aí, já estava em casa!
Foi um mês de descobertas, cansaço, risos e frustrações. Tive manhãs em que meninos de 4 e 2 anos brincaram e operaram minha barriga por horas. E acho que não tirava a educadora da mochila porque planejava uma leva de brincadeiras e mediação de leitura, embarcava no livre brincar deles, mas depois lamentava por levar peso, o joelho reclamar e debaixo da escada lá da sala de brincar já tem brinquedo educativo, revista, cadeirinha...
Noutras ocasiões, a “arterapia” do brincar era benéfica para mim mesma. Numa semana a fundadora sugeriu montar bichinhos com frutas e legumes, treinei na véspera e como diria no budismo “liberei pela risada” porque eu é que tinha que me divertir montando libélula de cenoura e batatas. Princípio fundamental desse rolê: o terapeuta focalizador se trabalha tanto quanto os atendidos, se bobear… Uma das percepções mais potentes da temporada lá foi perceber que se estou em contato com minha criança criativamente, mas sempre a trabalho e estudos, não é saudável profissionalizar a pobrezinha. Caindo essa ficha me fazia melhor rolar no tapete brincante com Tom e Cisco lá, de tabela também fazia bem pra eles. Obviamente, depois deles ajudarem a guardar meia dúzia de coisas, meu joelho reclamava entre sobes-desces-reorganização do espaço. Além de não comer/ ir ao banheiro quando pegavam brinquedos que os machucariam ou brigavam e depois achar que é o caso de por as mães no altar, canonizar e jogar calcinhas do Wando para elas.
Percebi também que saio da EJA, mas ela não sai de mim. Sou apaixonada pela reinvenção das histórias com os menores, mas senti falta de sentar com os nonos manhãs inteiras: eles costumam ter as melhores histórias, mas a infância é hiperdemandante. Me diverti fazendo poção mágica de água e ingredientes da natureza com a criançada ou fazendo e cozinhando imaginariamente massinhas. Sempre pensava o quanto minha infância foi pré fabricada quando a fundadora sugeria brincadeiras educativas que ia pesquisar porque não lembrava de ter experimentado. Daí soube que o pai dela fazia bichinhos de frutas e legumes e concluía que só poda dar nessa terapeuta brincante.
Noutros encontros, os pequenos me apresentaram um coelhinho do quintal que é pequeno, marrom e tem olhos escuros. Gozado porque pirava numa pré produção de levantar e levar livros, elementos de cena, mas tudo que as crianças precisavam era da presença da gente no jogo. Num certo sentido lembram vagamente os pets: favor não comprar brinquedos caros, porque eles se divertirão mais com o lixo reciclável. Coisas que toda mãe sabe e tive vislumbres como madrinha, tia, contadora, amiga, parceira e professora, mas é sempre poético confirmar como eles resistem como brincantes raiz.
Numa das manhãs derradeiras por lá me ensinaram da necessidade do jogo para que façam o que não estão acostumados, mas é importante —como guardar brinquedos e que a infância demanda bastante o corpo da gente. Isso foi na semana em que fiz umas avaliações na fisiatra e num agachamento com os pés no chão, desabei e escalei a parede pra voltar. Estava puxado demandar um corpo precisando dum tipo de atenção e autocuidado que evitei o quanto pude. Levei umas semaninhas para trocar este estágio pela famigerada musculação — até porque não teria bolsos educativos para mais dois meses de estágio sem ajuda de custo… Mas é um projeto surpreendente e sensível demais para contar num post só.

Na despedida, comendo bolo da Páscoa judaica levado por uma dupla de irmãos mais velhos que começou a ser atendida lá, aprendi que o estágio faz com que aprendamos a não fazer favor aos atendidos e sim, envolvê-los no trabalho, que às vezes os psicóticos sentem e se expressam como nós e que a Casa oferece uma possível pesquisa terapêutica — que infelizmente para quem está equilibrando pratinhos com poucas aulas para fazer o hiperdemandante mestrado não cabe nessa minha vida loka atual. E tem o aprendizado particular nas entrelinhas também: por mais adorável que seja a ideia da arte terapia nas horas vagas, é pouco provável que ela vá caber nessa minha programação sem respiro. E só por hoje, não abraçarei mas nenhum curso! Preciso deixar de fazer jus ao meu companheiro me chamar de Barbie Profissões.